Início » Um caso de amor com o celular
Com certeza todos conhecem uma pessoa, amigo, parente, até mesmo quem está lendo este texto, que não fica minutos, segundos, sequer, distante dos celulares. E esse, digamos assim, problema, ou dependência, que não se restringe somente aos brasileiros, ganhou o aportuguesado nome de nomofobia, abreviatura da frase em inglês “no mobile phone phobia”, termo criado em 2008 e que descreve o medo de ficar distante, desconectado, do celular. Povos de vários países enfrentam a mesma situação e ficam ansiosos a ponto de se desligar do mundo ao redor para se concentrar somente nos aparelhinhos nas mãos. É indiscutível que essa tecnologia diminuiu as distâncias entre pessoas, bairros, cidades, Estados e até continentes, eliminou fronteiras físicas e levou muita gente a, constantemente, se manter informada. Só falta saber separar bem as fake news das verdadeiras notícias.
Entre os vários povos do mundo com acesso aos celulares, o brasileiro passou a ter uma relação que poderíamos chamar de amor sincero com esse aparelho que, pode ser um instrumento de grande ajuda, como também se tornar um estorvo, uma obsessão. Estudo recente do portal Nomophobia.com mostra que existem cerca de 50 bilhões de celulares no planeta, que 59% da população têm acesso à internet e que cada pessoa vê, em média, 96 vezes por dia seus aparelhos e gasta algo em torno de cinco horas teclando, conversando ou simplesmente acompanhando os acontecimentos. É necessário que todos tomem ciência do que já pode ser, ou vir a se tornar, um vício comportamental ou dependência digital. Existem estudos científicos sobre os efeitos psicológicos do longo tempo despendido diante da telinha.
Os brasileiros, em especial, adquiriram profunda relação de amor com o celular. Isso é o que aponta pesquisa realizada pelo portal Nomophobia.com. Pelos nossos lados, 79% admitem usar de forma desmedida seus celulares. A média da utilização é a mais elevada se compararmos a outros países da América Latina. No México o uso acima do necessário é de 63%, na Argentina chega a 62% e a 57% no Peru. Pior do que o uso é a ansiedade apresentada por 60% dos brasileiros quando estão longe de seus celulares. Esse problema passa a ser de saúde, pois a liberação do neurotransmissor dopamina, que está associado ao prazer e à recompensa, cria um ciclo que reforça o desejo de interagir não só com gente conhecida, pior, com os aparelhos de telefone. Toda notificação, mensagem ou curtida torna-se um tipo de recompensa, levando essas pessoas a buscar mais e mais e, com isso, aumentando a dependência. Situações como essa se aproximam da compulsividade, que é um transtorno emocional caracterizado por hábitos específicos que são repetidos excessivamente.
Os professores e as escolas precisam estar atentos ao trabalho cognitivo dos alunos, pois o abusivo uso de celulares reduz o poder de concentração de crianças, jovens e adolescentes – inclusive de adultos e até de idosos – que crescem com os aparelhos nas mãos. É comum se observar em restaurantes os bebês assistindo desenhos ou aproveitando joguinhos para deixarem os pais tranquilos durante a refeição. Até 2010 os aparelhos serviam como telefones; de 2015 em diante ganharam acesso à internet e câmeras e os problemas cresceram. A chegada dos influenciadores digitais passou a interferir de modo indireto na vida desse grupo em formação, sem explicar as consequências dessa dependência. Que fique claro que essa não é a função deles e sim da família, dos pais e responsáveis, que têm de vigiar quem está sob seu cuidado. Além de repassar conteúdo das matérias, as escolas têm de humanizar as relações e desumanizar o uso da tecnologia. Os professores precisam demonstrar afeto aos alunos, têm de apresentar boa didática de ensino e demonstrar autoridade diante da classe. Autoridade é bem diferente de autoritarismo.
José Roberto Chiarella, o professor Chiarella, é educador. Professor de Educação Física formado em 1986 e coordenador do Colégio Objetivo na Baixada Santista na cadeira de Direito e Cidadania e Formação para a Vida. Advogado com especialização em Direito Digital pelo Mackenzie e mestrado em Relações Internacionais Laborais pela Untref, na Argentina.